Apresentação
No momento em que se cumprem trinta anos do arranque da formação inicial de professores na Universidade do Porto à luz dos princípios da Lei de Bases do Sistema Educativo em vigor e da publicação da tese doutoral de António Nóvoa, Le temps des professeurs (2 vols., Lisboa: INIC), e o centenário do nascimento de Óscar Lopes (1917-2013), professor liceal e universitário ímpar, o CIIE - Centro de Investigação e Intervenção Educativas organiza um congresso internacional dedicado à reflexão e debate científico sobre a atividade docente em todos os níveis de ensino, incluindo a educação pré-escolar (educadoras/es).
No ano letivo de 2014/2015 o subsistema de educação pré-escolar e escolar dos ensinos básico e secundário era assegurado, segundo relatório oficial (cf. DGEEC, Perfil do docente: 2014-2015, 2016), pelo serviço de 141.274 professores/as (incluindo 16.079 educadoras/es), cujo perfil pode ser sintetizado pelos seguintes dados: predomínio de professoras (77,8%); população relativamente envelhecida (2,8% com menos de 30 anos, 25,6% entre os 30 e 39 anos, 36,0% entre os 40 e os 49 anos e 34,7% acima dos 50 anos); maioritariamente habilitados com o grau de licenciatura (83,1%) e, complementarmente, com pós-graduações (10,0%), subsistindo ainda 6,9% de bacharéis.
Nos últimos trinta anos assistiu-se, em Portugal, à consolidação dos cursos de formação inicial de professores no ensino superior universitário (1987), à autonomia das instituições deste nível de ensino (1988), à homologação do estatuto da carreira docente do ensino não-superior (desde 1989, com 15 alterações), a reformas e reestruturações curriculares (1989, 2001 e 2012, entre outras), à criação e extinção do Instituto de Inovação Educacional em 1987 e 2002, respetivamente, ao direito à formação contínua para educadores e professores (1992), à autonomia da gestão e administração dos estabelecimentos escolares (1998, 2008 e 2012), ao início da criação do espaço educativo europeu (na sequência do lançamento do Processo de Bolonha, 1999), ao programa internacional trienal de avaliação do desempenho dos estudantes de 15 anos de idade em áreas do conhecimento com relevância económica (PISA pela Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico - OCDE), ao estatuto do aluno dos ensinos básico e secundário (a partir de 2002), ao congelamento das progressões na carreira docente (desde 2005), ao lançamento do inquérito internacional do processo de ensino e aprendizagem (programa TALIS, desde 2008, pela mesma OCDE), à extinção das direções regionais de educação (2012) e à subsequente intensificação do programa de agrupamentos verticais de escolas (previstas desde 1998), entre outros factos relevantes para uma compreensão alargada da profissão docente.
A atividade docente ganha sentido na praxis letiva diária, silenciosa, complexa, intersubjetiva, que, por razões organizacionais, tem sido visada, nos últimos anos, por políticas gestionárias e curriculares, entre outras, que concebem os/as educadores/as e professores/as como peças de uma tecnologia administrativa e produtivista pronta-a-servir e a rentabilizar em qualquer contexto de trabalho escolar. Os resultados alcançados por Portugal no quadro da edição de 2015 do PISA despoletaram, em contracorrente com alguns discursos instalados e prevalecentes no campo social e político, um movimento de reconhecimento oficial do labor contínuo, sofrido e dedicado de educadores/as e professores/as em prol da qualificação das aprendizagens dos estudantes portugueses, desenvolvido num quadro sistémico de baixa eficiência se se observar a persistência das elevadas taxas de retenção escolar.
A nível internacional há ainda a referir, por exemplo, que, depois das diretrizes dos Objetivos de Desenvolvimento do Milénio (ODM) e da Educação Para Todos (EPT), as Nações Unidas apresentaram, em 2015, a nova Agenda do Desenvolvimento 2030, na qual a formação de professores é visada pelo objetivo educação de qualidade (quarto objetivo do desenvolvimento sustentável).
O presente congresso, tomando por bandeira a tese doutoral de António Nóvoa e o exemplo da história de vida de Óscar Lopes (como professor, investigador, linguista, crítico e ensaísta literário, divulgador cultural e cidadão de facto ativo, mesmo em tempos de repressão política), visa abrir espaço à apresentação e debate de trabalhos originais sobre a profissão docente, realizados à luz de múltiplas abordagens, que permita, a um tempo, analisar e mapear necessidades, representações e expetativas dos professores e professoras do tempo presente e projetar as linhas de força da evolução da profissão nos próximos trinta (ou cem) anos.
Em Le temps de professeurs, António Nóvoa salienta, logo a abrir, que “a compreensão da génese e desenvolvimento da profissão docente exige o recurso a um olhar sobre a longa duração, o único capaz de apreender esta história (feita de «continuidades» e de «roturas») em toda a sua complexidade” (1987, vol. 1, p. 11), para, depois de passar em documentada, fina e problematizada análise a evolução da profissão em Portugal, entre meados do século XVIII e da década de 1930 (a longa duração que, segundo o autor, é o tempo da educação), rematar com uma projeção feita de lucidez: “A esperança, neste final atormentado do século XX, é uma espécie de «procura do impossível»: os tempos atuais não permitem mais uma visão idílica da sociedade e do papel da escola e dos professores, mas reclamam, pelo contrário, uma pesquisa quotidiana de um sentido para a ação educativa. Os professores não são, seguramente, como muitas vezes foi proclamado, «os sábios do mundo», mas eles não são mais apenas «os simples agentes» de um poder que os ultrapassa, do qual alguns os acusam. Ao reencontrar um equilíbrio que perderam e ao compreender os limites do seu trabalho, os «profissionais do ensino» também serão capazes de definir as estratégias de ação que não podem tudo mudar, mas que podem mudar qualquer coisa. E esta qualquer coisa não é negligenciável” (vol. II, p. 793).
Óscar Lopes, professor-investigador que sempre pugnou por um “estudo científico moderno” da linguagem (Lógica gramatical e lógica simbólica, 1958, p. 70), pela “educação do gosto literário” (1965) e por uma aprendizagem crítica e global da literatura, língua e história (“não podemos deixar de reflectir sobre conceitos fundamentais como os da literatura e obra literária, e sobre as relações existentes entre a crítica e a história do gosto literário, entre a literatura e a língua, entre a história da literatura e a história geral e nacional”, in História da Literatura Portuguesa, 1955, p. 7), alertou, no seu primeiro trabalho sobre o estudo de Linguística, publicado no seu segundo ano de magistério liceal em Português, Latim e Grego, para os desafios e riscos inerentes à profissão docente: o “estudante com personalidade não se contenta com menos que uma completa inversão de valores; o [professor] estagiário generoso quere reformas radicais – mas o professor efectivo, em regra, resigna-se a uma remodelaçãozinha do programa que lhe permita cultivar as supremas virtudes formativas da sua disciplina” (Equívocos do velho humanismo, 1943, p. 4).